A comissão da Verdade e o Dr. Claudio Fonteles
*Paulo Vasconcelos Jacobina
- A recente criação da Comissão da Verdade pelo governo brasileiro foi
vista, por minorias de alguns setores mais radicais (de ambos os lados
da escala ideológica), como uma continuação da luta travada na época dos
anos de exceção e repressão: por alguns, como uma instância de
revanche; por outros, como a oportunidade de resgatar ideologias que,
sob um manto aparentemente humanista, já se mostraram daninhas em
outras partes do mundo.
No entanto, a nomeação efetiva da comissão, que se mostrou bastante
equilibrada, veio a mostrar que ela pode, de fato, ser aquilo que a
grande maioria está esperando – uma instância de resgate da dignidade – e
muitas vezes até dos restos mortais - dos que estiveram envolvidos nos
conflitos ainda não completamente esclarecidos daquela quadra da
história recente do Brasil.
Quero destacar, aqui, em especial, a minha admiração pela pessoa do
Professor Doutor Cláudio Fonteles, nomeado pela Presidência da República
para compor esta Comissão. Ele é membro emérito do Ministério Público
Federal, onde foi Procurador-Geral da República, e tem uma história de
luta pelos direitos humanos na melhor linha da Doutrina Social da
Igreja, que ele aliás ensina, com muito brilhantismo, no Curso Superior
de Teologia da Arquidiocese de Brasília.
Cláudio Fonteles está na comissão em razão da sua história como homem
público, e como digno representante dos cristãos que, movidos pela
necessidade de defender a vida e a liberdade em nosso país, expuseram
sua segurança pessoal para discordar pacificamente das políticas
equivocadas de então, bem como para registrar e documentar o que ocorreu
no período: nós, os católicos brasileiros, na excelente companhia dos
irmãos judaicos e dos irmãos protestantes.
Isto foi feito através de iniciativas preciosíssimas como, por
exemplo, o projeto Brasil Nunca Mais, iniciado ainda na clandestinidade,
no tempo da ditadura, quando se podia falar de verdade em "justiça de
transição".
Não estou tratando dos que, naquela época, muitas vezes empolgados ou
pressionados pelos tempos duros, acabaram adotando caminhos radicais e
incompatíveis com a boa doutrina social da Igreja. Falo dos cristãos
que, ontem como hoje, levantaram pacificamente suas vozes em defesa do
direito à vida e à liberdade ameaçados pelo Estado brasileiro de então,
em que a vontade de alguns foi confundida com a vontade de todos, e a
eliminação física de pessoas em razão desta ou daquela posição
ideológica era vista como muito natural.
Curioso que, naquela época como hoje, a Igreja continue como bastião
inabalável da luta em favor da vida dos mais fragilizados – naquela
época, os mortos e desaparecidos na luta política; hoje, os nascituros,
anencéfalos e doentes terminais, ameaçados agora pelo aborto e pela
eutanásia.
Uso a expressão “curioso” não por causa da luta da Igreja pela vida,
que é sempre coerente e firme. Mas porque os argumentos daqueles que se
opõem a esta luta cristã continuam bem parecidos: trata-se, diziam os de
então, de questões de Estado, e, como o Estado é laico, nós, católicos,
deveríamos manter-nos fora de tais discussões. Este argumento ainda é
repetido, hoje, pelos que, ocupando funções estatais, liberam o aborto e
a eutanásia. Mas a luta pela vida é sempre nossa, e o Estado não calará
a Igreja na defesa da vida e da dignidade humana. Que o Estado é laico
sempre o soubemos, e não queremos nem por um momento que seja diferente.
Mas lembraremos sempre a todos – aí incluídos os eventuais ocupantes do
Poder em qualquer quadra histórica - que a vida humana é sagrada e que
sempre a defenderemos frente ao Estado, da concepção à morte natural.
Cláudio Fonteles continua como um grande lutador pela vida, e teve
que ouvir, muitas vezes, a acusação de que a sua atuação indivisa como
homem público cristão “feria a laicidade do Estado”, quando, no
exercício dos importantes cargos públicos que ocupou, lutava
intransigentemente pelo respeito à vida dos nascituros, embriões e
bebês, contra abortos e frias manipulações destrutivas em laboratório.
Cláudio, no entanto, é um exemplo de cidadão íntegro e coerente: ele
sempre teve os mesmos princípios humanos, quer na missa, quer no seu
gabinete de Procurador Geral da República, onde não buscou aplausos
fáceis, mas a luta corajosa pela defesa do ser humano.
Orgulho-me, ainda, como Procurador da República que também sou, que
felizmente o Dr.Cláudio Fonteles, além de grande cristão, também seja um
colega de instituição, e que de certa forma me represente duplamente
nesta Comissão.
* Paulo Vasconcelos Jacobina é Procurador Regional da República e Mestre em Direito Econômico
Fonte: http://www.zenit.org
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