Reflexões de Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro
- Vocação é um chamado. Exige uma resposta. Na vida cristã, a vocação à
família é um dom inestimável. A família é o berço de todas as outras
vocações. A família é o lugar onde se desenvolvem nos seres humanos os
seus relacionamentos mais significativos e especiais. É instituição
divina desde a criação do mundo. "Por isso, o homem deixará seu pai e
sua mãe e se unirá a sua mulher e os dois já não serão mais duas, mas
uma só carne". A união entre o homem e a mulher é fundamental e querida
por Deus. Os filhos são a bênção do casamento, que trás em seu bojo os
sinais da fidelidade, da fecundidade e da eternidade.
Os sagrados
laços do matrimônio despertam no homem e na mulher a vocação ao amor,
dada por Deus mesmo a todo ser humano. Ele que é amor nos mandou amar
como Ele mesmo. Criados à sua imagem e semelhança não poderia, de fato,
ser diferente. O parágrafo 1604 do Catecismo da Igreja Católica chama
nossa atenção para este dado importante do amor: "Deus que criou o homem
por amor, também o chamou para o amor, vocação fundamental e inata do
ser humano. Pois o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, que é
amor. Tendo-os Deus criado homem e mulher, seu amor mútuo se torna uma
imagem do amor absoluto e indefectível de Deus pelo homem. Esse amor é
bom, muito bom, aos olhos do criador, que é amor. E esse amor abençoado
por Deus é destinado a ser fecundo e a realizar-se na obra comum de
preservação da criação: "Deus os abençoou e disse: sede fecundos,
multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a” (Gn 1,28)".
Que o homem e a mulher foram criados um para o outro não se discute.
Assim é afirmado na Sagrada Escritura: "não é bom que o homem esteja
só". Daí o Senhor lhe faz uma companheira semelhante: "carne de sua
carne, ossos de seus ossos".
O matrimônio é a caracterização do início de uma nova família. Já não
são mais dois, mas uma só carne. Além de ser uma instituição divina é
também de índole natural. A união entre o homem e a mulher garante as
gerações da prole ao longo dos anos. O Matrimônio é, portanto, uma
aliança onde homem e mulher se unem pela vida toda, tendo em vista o bem
de ambos e a geração e educação dos filhos. Foi o próprio Jesus que
elevou esta união à dignidade de sacramento.
Muitas ameaças do mundo moderno hoje colocam em questão o verdadeiro
sentido do matrimônio. Precisamos sempre mais resgatar o valor da
família. O Beato Papa João Paulo II chama a família de "santuário da
vida". Ao longo de todos os séculos a Igreja sempre trabalhou e zelou
pela promoção da família e de seus valores. Afinal, ela tem consciência
de que esta é de fundamental importância para o bem-estar de toda a
humanidade. Quanto mais nossas famílias se estruturarem devidamente e
sobre os alicerces da fé e da verdade, mais o mundo tomará consciência
de sua verdadeira identidade e missão. O Concílio Vaticano II, no
documento Gaudium et spes, ressalta que "a salvação da pessoa e
da sociedade humana está estreitamente ligada ao bem-estar da
comunidade conjugal e familiar".
A família é a vocação natural dos seres humanos. As demais vocações
são específicas e especiais e não poderiam existir não fossem famílias
generosas a oferecer seus membros em vista de um bem comum. A família
não exprime sua importância apenas entre seus membros, mas suas atitudes
refletem sobre a sociedade como um todo, sem dúvida. Daí a afirmação do
Concílio da necessidade da família na salvação de toda a humanidade.
No sacramento do matrimônio os noivos se aceitam um ao outro,
unindo-se à oferenda de Cristo à sua Igreja. Assim como Cristo amou a
Igreja, os cônjuges devem se amar também. São os esposos que se conferem
mutuamente o sacramento, expressando diante de toda a Igreja ali
reunida o seu consentimento. O sacerdote testemunha o consentimento que é
dado um ao outro. A bênção sacramental é importante na celebração. O
Catecismo da Igreja Católica no §1624 ressalta este aspecto de modo
claríssimo: "as diversas liturgias são ricas em orações de bênção sobre o
novo casal, especialmente sobre a esposa. Na epiclese deste sacramento,
os esposos recebem o Espírito Santo como comunhão de amor de Cristo e
da Igreja. É ele o selo de sua aliança, a fonte que incessantemente
oferece seu amor, a força em que se renovará a fidelidade dos esposos.
Toda esta configuração do sacramento está para confirmar e ressaltar que
o matrimônio não é uma celebração exclusiva ou particular, mas um ato
eclesial: isto se manifesta claramente na presença do ministro da
Igreja, bem como dos presentes, as testemunhas. O casamento é um ato
litúrgico, cria direitos e deveres na Igreja, entre esposos e filhos; é
um estado de vida na comunidade de fé e sua celebração tem caráter
público.
Uma vez que os noivos se deram em casamento está constituída a nova
família. Os filhos são frutos desse amor. O sacramento é o selo de Deus
na vida do casal. Jamais pode ser dissolvido. Uma especial graça
concedida ao casal é a graça que é o próprio Cristo: na união conjugal
um deve ajudar o outro a se santificar, estando sempre unidos um ao
outro e na aceitação e educação dos filhos. O amor que os une deve ser
delicado e fecundo, sincero e firmado no temor de Deus.
O amor conjugal exige a indissolubilidade, a fidelidade e a
fecundidade. Sinaliza o amor de Cristo com sua Igreja. Este amor é
indissolúvel, pois nada pode romper, nenhuma miséria humana e nenhuma
outra situação seria capaz de dissolver este amor; é fiel, porque dura
de geração em geração, mesmo se a humanidade, no mal uso de sua
liberdade, afastar-se de Deus e de seus santos ensinamentos; e fecundo,
porque, como na vida do casal os filhos são frutos do seu amor, na
Igreja Cristo oferece a vida aos que renasceram na água do batismo e com
ele foram sepultados e irromperam tão logo vitoriosos e ressuscitados.
Jesus nasceu em uma família: a sagrada família de Nazaré. Filho de
Maria e José. A igreja é a família de Deus. Nela todos são chamados a
servir ao Deus vivo e verdadeiro: "Crê no Senhor Jesus e serão salvos tu
e os de tua família". Nosso tempo urge que as famílias se convertam na
fé e animem o mundo com a força que vem do próprio Deus. Ainda o
Catecismo da Igreja Católica, no § 1656, ressalta esta necessidade: "Em
nossos dias, num mundo que se tornou estranho e até hostil à fé, as
famílias cristãs são de importância primordial como lares de fé viva e
radiante. Por isso, o Concílio Vaticano II chama a família usando uma
expressão antiga, de "igreja doméstica". É no seio da família que os
pais são para os filhos, pela palavra e exemplo, os primeiros mestres da
fé. E favoreçam a vocação própria a cada qual, especialmente a vocação
sagrada".
O lar da família é o espaço privilegiado da educação, do cuidado e da
ternura; é a escola da vida e da fé. Os pais são, portanto, o primeiro
catequista de seus filhos. Cabe-lhes introduzir sua prole no caminho
cristão e acompanhar todo o seu desenvolvimento nas diversas etapas do
caminho da fé. É lá, também, o celeiro de vocações e de um suficiente e
necessário desenvolvimento e enriquecimento da pessoa humana. As
melhores e mais importantes lições vêm de casa. Ninguém deve estar
privado da família. Assim também nossas igrejas, comunidades paroquiais
devem ser casa e família para todos, especialmente para os mais
cansados, excluídos e enfraquecidos. Seguindo a orientação de São Paulo,
na carta aos Efésios, que os maridos amem suas esposas como Cristo amou
a Igreja. Grandioso mistério de amor de um Deus que se revela e se
deixa conhecer.
“Que a família comece e termine sabendo onde vai, que o homem
carregue nos ombros a graça de um pai; que a mulher seja um céu de
ternura, aconchego e calor e que os filhos conheçam a força que brota do
amor” (Pe. Zezinho)!
† Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
Fonte: http://www.zenit.org
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